domingo, 18 de março de 2012

O dia em que Mercedes morreu











Não é necessário escrever em meias palavras. No dia em que La Negra se foi, estava aqui nos fundos, quando ainda morava aqui. Ouvi um grito que vinha da janela do andar superior: era ele avisando que a Mercedes Sosa tinha morrido. Eu já sabia que ela não estava bem. Vinha acompanhando a história de sua doença com uma esperança de que fosse imortal. E não era. Mas sua música foi e será, ao menos para a nossa família. Quando olho hoje um show de Mercedes e vejo minha filha, de dois anos, reconhecer os versos de “Corazón Libre”, volto no tempo quase que instantaneamente. Meu pai sempre disse que quem lhe ensinou alguma coisa sobre cultura foi minha mãe. Sempre contava a história de que ela havia lhe mostrado, na sua adolescência, algumas músicas de La Negra. Começaram assim como casal, ao som de “Gracias a la vida” e tantas outras. Quando éramos pequenas, eu e a Carolina, não ouvíamos outras músicas, não sabíamos o que estava na moda – ouvíamos Mercedes. Criamo-nos amando esta voz insuperável. Até que tivemos a oportunidade, já com mais de vinte anos, de vê-la pessoalmente, em um show na Vigília, em Cachoeira do Sul. Ironicamente no local em que meu avô, pai de minha mãe, viveu seu tempo derradeiro. Fomos, com o meu pai, aquele que havia aprendido a amar esta voz tanto quanto todos nós. Só Deus sabe o que isso significou. O que para tantos outros era só uma cantora a mais, para nós era um momento divino. E agradeço todos os dias por ter vivido este momento. Passamos a amar ainda mais tudo isso. De certa forma, era o nosso código secreto. Uma deusa que louvávamos e que nos aproximava, sempre, ainda que tudo...
E aquele dia, quem me deu a notícia foi meu pai, que aprendeu a amá-la não só pela sua divindade, mas porque, como ele, era uma revolucionária, cuja arma era a voz. Todos nós continuamos a amá-la profundamente, como se parte de nós fosse, como se fosse também um trecho de nossa história. Naquele mesmo dia, minha irmã fez seu tributo particular. Não ousou ouvir outra música que não fosse embalada pela voz penetrante de “La Negra”. E assim fizemos a nossa homenagem.
Depois de um tempo, a mãe resolveu que “Corazón Libre” traduzia parte do que queria viver como cantora. Quem conhece a letra, sabe que tem tanto o que dizer sobre nossa vida e nossas relações de amor profundo e de respeito uns pelos outros.
Cá estamos, pensando em nossas duas inspirações, como se não pudéssemos dissociar uma coisa da outra. Felizes de termos conhecido Mercedes e gratos de termos escrito nossa história com uma lenda chamada Chicão.

“Durar não é estar vivo, coração... viver é outra coisa”.

Um comentário: